CINE / PSI


O SEGREDO DOS SEUS OLHOS

O SEGREDO DOS SEUS OLHOS, de Juan José Campanella, pode ser visto como um tratamento psicanalítico. Um sujeito diante do retorno do recalcado (que lhe traz vários traumas que o levaram a uma estagnação) em busca do seu desejo.

Um primeiro aspecto que chama atenção é o potencial de elaboração de uma narrativa. O personagem principal, Benjamim Espósito, está na empreitada de escrever um romance, que tem muito de auto-biográfico. A frase de Joel Birman (primeiro post deste blog), revisitou muito meus pensamentos da segunda vez que vi o filme: “A psicanálise é uma possibilidade que se oferece ao sujeito para a reabertura do seu sistema interpretativo, de maneira a permitir o exame de seus conflitos, que conduziram à estagnação atual.” O que Espósito, aposentado, faz durante a trama do filme, é justamente uma reabertura do seu sistema interpretativo, tanto de si mesmo, de seus sentimentos e história, quanto do caso Morales, que influenciou tanto sua vida.

O início da narrativa de Espósito (e do filme) é uma volta ao ponto onde houve estagnação: a estação de trem (irônico porque é um lugar para ser de viagem, de passagem, de chegada e partida), que é para ele naquele momento, local de fuga.
Depois vamos entender no filme que aquele momento de Benjamim e Irene na estação, é um momento onde ele sofreu repressão violenta contra seu movimento no caso Morales, já que o assassino foi solto, e o está ameaçando de morte.

Também é um momento onde Irene havia acabado de praticamente declarar seu amor por Benjamim (no dia anterior), mas ele precisa fugir – e nem pensa em levá-la junto, não vê essa alternativa. Ele temia este amor (a moça estava de casamento marcado). E logo o filme endereça esse temor - Benjamin acorda no meio da noite e escreve a palavra "TEMO"(que mais adiante no filme se transformará em TEAMO, nos remetendo ao “a” que faltava na máquina de escrever – faltava um símbolo, um elemento de ligação, de articulação, que transforma - o “a” reprimido; interessantemente o objeto "a", objeto que faz circular o desejo).

Na cena inicial na estação, tanto no amor quanto no trabalho, Benjamim está reprimido e paralisado.

Não apenas o momento da fuga de Benjamim está articulado ao caso Morales, como também a locação "estação" se articula a Morales – é o local onde encontrou Morales numa situação que levou Benjamim ao insight para fazer o “diagnóstico” de Morales, como expõe para Irene na presença de Pablo: Morales ficou detido ali, na morte da esposa, sua vida não pode seguir. Aquele já havia sido um momento de reabertura do sistema interpretativo, pois o que Benjamim fora solicitar então a Irene era justamente a reabertura do caso que havia sido arquivado.

O filme é isso, magistralmente, do começo ao fim: a reabertura do sistema interpretativo do personagem principal, de maneira a permitir o exame de seus conflitos, que conduziram à estagnação atual. É interessante a tensão produtiva que se faz entre o exame do passado, feito por Benjamim, e a firme intenção de olhar para frente, de Irene, frutificando uma possível “cura”, já que apenas revisitar o passado poderia resultar também numa estagnação, como faz o melancólico, personagem de Ricardo Morales.

A narrativa cinematográfica vai ponto por ponto, elaborando os traumas ocorridos 25 anos antes de Benjamim escrever seu romance, enquanto o personagem os elabora em sua própria narrativa - o romance. Há um constante conflito entre um movimento pelo desvelamento e um movimento pelo encobrimento - ou repressão.

É fantástica a utilização dos objetos de cena, como, por exemplo o álbum, que funciona, para o melancólico Morales, como forma de ficar detido no passado, e instrtumento de desvelamento, para Benjamim. Outra utilização magistral de objeto de cena é a bandeja, na cena em que Benjamim chega na casa nova de Morales, num ambiente rural. Morales vem dos fundos com uma bandeja. Ali o filme planta esse objeto de cena tão importante – o objeto com o qual, veremos na cena em que se desvela que Morales mantém o assassino preso em sua edícula, Morales alimenta o objeto (psicanalítico) que o levou ao luto; alimenta o seu próprio luto – de forma perpétua. A bandeja e a ação diária de alimentar o assassino, fala do COMO Morales se mantém detido: alimentando todos os dias o objeto que o levou ao luto.

Este filme é uma obra-prima que merece análise extensa. Quem sabe... em algum outro momento.

A ORIGEM (Christopher Nolan)
Neste filme, há algumas observações interessantes sobre os sonhos:

1) É possível haver um sonho dentro do outro. O sonhador sonha que está sonhando.
2) No sonho, o sonhador nunca sabe como chegou ao local onde está.
3) Pode-se sonhar por poucos minutos, e no sonho parece que passaram muitas horas.
4) No sonho há perspectivas de espaço que são impossíveis na vida real.
5) O sonhador nunca se vê morrer no sonho; logo antes do momento final, acorda.